Capitulo 1: E agora?
Era noite de domingo. Chovia forte. Eu olhava a chuva bater na janela e acompanhava as pequenas gotas de água realizarem seu percurso. Meus olhos estavam distantes, distraídos. Era como se meu espírito não habitasse mais meu corpo ou como se tivesse sido hipnotizada. O telefone tocava loucamente ao meu lado . 1, 2, 3 vezes. Mas eu parecia não notar.
E como se alguém tivesse desejado me acordar da hipnose, dei um pulo da poltrona voltando à realidade ainda um pouco confusa. A conversa com as amigas ainda morava na memória. O que Lia havia falado ainda ecoava... E aquilo tudo estava me deixando louca.
Será? Eu pensei olhando pela janela. Mas não fazia sentido, não para mim... Nunca tinha parado para imaginar nós dois juntos. Na verdade, tinha... Bom, esse assunto era mais antigo do que Lia pudesse imaginar. Ele já tinha sido tópico de conversa e até de briga entre eu e Daniel... Ele tinha um ciúme besta quanto a minha proximidade com Hugo.
Eu e Hugo desde o começo apresentamos certa afinidade. Uma amizade que tinha surgindo aos poucos e criava laços cada vez mais fortes. Começado antes mesmo de convivermos diariamente. Porque no começo era tudo muito virtual. Aquelas amizades via MSN mesmo. Mas eu sentia que ela era verdadeira. Era aquela coisa de sentir, uma intuição talvez. Eu sabia que seriamos grandes amigos. Eu só sabia. Sentia confiança e cumplicidade. Ele era uma das poucas pessoas com quem eu me sentia confortável o bastante. Com ele podia conversar sobre quase tudo. Ele tinha assumindo o cargo de conselheiro particular. E os conselhos eram ótimos.
Bom, depois nossa amizade só veio a crescer. E as pessoas começaram a reparar nisso. Viam nossa proximidade, a liberdade que tínhamos um com o outro... E ai, tudo começou. As brincadeiras amigáveis que me deixavam super sem graça, e a ele também... Para tudo elas viam que formávamos um “lindo casal”, como Lia tinha me dito naquela noite. No começo eu fiquei tão encabulada, mas depois pensei comigo mesma: “Bom, eles não vão parar, então... Vou entrar na brincadeira também, vai que eles se cansam...”. E foi o que fiz, entrei na brincadeira. Mas eles não pararam. A cada dia, parecia que a brincadeira ganhava mais força.
Com o tempo, eu comecei a sentir ciúmes. Sim, ciúmes... Fiquei apavorada. Como assim eu podia estar sentindo ciúmes de Hugo? O que estava acontecendo comigo? Estava tudo errado.
A minha bipolaridade começou a ficar mais freqüente. Uma hora estava tudo bem, mas quando eu via algo que perturbava meu equilíbrio, fechava a cara e uma raiva me dominava. Era inevitável. Mas eu não podia. Aquilo não podia acontecer. E eu não podia está gostando dele. Éramos amigos, e só. O ciúme que sentia era de amigo para amigo. Ora, é normal cancerianas sentirem ciúmes, né? Todo mundo sabe disso. Canceriana sente ciúme e ponto final. Esse sentimento não representava que eu estava gostando dele.
Tentei me confortar com isso e esquecer por um tempo toda essa confusão. Era preciso. Peguei meu celular e olhei as chamadas não atendidas. Era Mônica. Retornei logo em seguida.
- Alice, finalmente. Tava ficando preocupada com você. Desde ontem você ainda estranha, mais calada que o normal. Aconteceu alguma coisa? Diga logo...
- Oi... Não, Monica... Está tudo bem. – Fiz um pouco de silencio, e finalmente disse: - Não, não estou bem. Precisamos conversar... Podemos sair hoje?
-Claro, amiga. Sabia que não estava tudo bem com você. Onde e de que horas?
- Aah, vamos no açaí, certo? Vou passar daqui a uns 15 minutos na sua casa. Não demore a se arrumar, por favor.
- Claro. E desde quando demoro a me arrumar? Não passo 15 minutos... – Mônica riu. E eu percebi que tinha rido junto com ela. Desliguei o telefone e sai do quarto em direção a sala de estar. Minha mãe estava assistindo um daqueles filmes meio bestas e antigos. Peguei a chave do carro e ela me deu um olhar meio preocupado e antes que ela começasse a fazer todo o interrogatório comecei a falar:
- Mãe, vou na casa de Mônica e depois vamos ao açaí. Não demoro... – disse já indo em direção a garagem.
- Debaixo dessa chuva? Alice aconteceu alguma coisa, filha? – O tom de preocupação soltava nas palavras da minha mãe.
- Não, mãe... Não aconteceu nada. Deixa eu ir, ta? Ela já esta me esperando. Tchau. – Sai antes que ela começasse a perguntar demais.
Entrei no carro e me dirigi a casa de Monica. Quando cheguei la ela já me esperava. Foi tudo bem rápido. No caminho até o açaí não trocamos uma palavra. Sabia que o silencio estava incomodando Monica, ela não suportava ficar 2 minutos calada. Mas estava feliz que ela estivesse respeitando meu silencio e não me forçando a falar nada. Chegamos no açaí, fizemos nossos pedidos e ai, ela perguntou:
- Ok, Alice... Não agüento mais. Me diga logo o que esta acontecendo com você. – Sua voz soava raivosa e preocupada. Comecei a falar...
- Você vai achar uma tremenda besteira. Mas é que eu preciso desabafar e preciso de um conselho também. Já te contei sobre o Hugo, né? Aquele garoto da minha turma? - Ela acenou positivamente com a cabeça, e eu continuei. – Então, na festa da semana passada estava conversando com Lia e ela começou a falar um monte de besteira sobre isso. E desde então, eu não consigo parar de pensar no “se”.
- Espera. Que tipo de besteira? Que “se”?
- Primeiro ela me perguntou se eu gostava dele. Depois, que formaríamos um belo casal. Que todo mundo via isso. Que gostávamos um do outro, mas que éramos cabeça-dura demais pra aceitar o que sentíamos.
-Aah, sabia de uma coisa parecida... – Mas eu interrompi Monica antes que ela continuasse.
- Como assim você sabia? Sabia do que, Monica? Porque você não me falou nada?
- Para você não surtar, talvez? Olhe, há uns dias Jessica me falou que tinha um garoto louco por você... Que era perceptível isso, todo mundo via que ele estava interessado, mas que você não dava o menor cabimento pra ele. Agora, suponho que ela tenha falado do Hugo...
- É, Lia comentou isso também. Mas, poxa... Nunca pensei nisso. Nunca pensei que ele gostasse de mim. Cara, em nenhum momento interpretei alguma atitude dele que me levasse a pensar assim. Tanto é, que ...
- Que?? Aliiiiiiice, você esta gostando de Hugo?? – A voz de Monica era exageradamente alta e risonha.
- Nãao, o que? Ta louca? Da onde você tirou isso? – tentei me recompor e voltar ao foco, mas Monica não deixou.
- Ora, Alice eu te conheço. Você esta gostando dele, sempre gostou. Por isso esse surto agora, não é? Depois do que as meninas falaram... Eu dou o maior apoio. Se era esse o conselho que você ia pedir. Ta na hora de você deixar de se esconder. Na verdade, já passou da hora. Foram 8 meses. Já deu, não? Vamos brincar de ser feliz e aproveitar um pouco a vida.
- Mas eu não gosto dele. Não gosto. Não mais que amigo...
- Certo. Não gosta... Reflita sobre isso e antes de irmos embora, você saberá que gosta dele. Você gosta, Alice. Você ta gostando dele sim.
Comecei a pensar sobre o que Monica tinha acabado de falar, sobre o que Lia e as meninas tinham me dito. Cenas aleatórias vinham a minha cabeça. O ciúme, o cuidado, a simpatia, a confiança, o sorriso incontido quando ele falava comigo, o suor frio na palma da mão... É, eu acho que elas estavam certas. Eu estava gostando de Hugo. Mas e agora?
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